terça-feira, 1 de março de 2011

O mundo não pára para que você desperte



À noite, cinco dias antes do Natal de 2009, estava perturbada. Saí de minha casa às 19h de uma terça-feira. Estava só. Caminhei pelas ruas e contemplei as luzes que me cercavam: no poste, nos holofotes e nos enfeites natalinos que ornamentavam prédios, casas e lojas. Como estava faminta, entrei no Salada’s Grill. Pedi uma salada completa com tofu e peito de peru. Olhei à minha volta e percebi que só havia algumas pessoas, casais. Ao vê-los juntos, uma angústia me tomou e não consegui terminar o jantar. Paguei a conta e saí perambulando pelas ruas.
Na minha mente transcorriam lembranças que cortavam minha alma. Relembrei o Natal anterior passado com Vinicius. Estávamos casados há onze anos e no último mês de novembro, havíamos nos separado. Éramos de gênios diferentes. A ausência dele me sufoca até hoje. Apesar de ter alcançado a minha reclusão em meu apartamento, vivi alimentando minha mente com velhas lembranças. Tudo eu recordava ao caminhar pelas ruas à noite, naquele dia.
Às 21h, encontrei um grupo de teatro itinerante. À primeira vista, em meu bairro como Santa Cecília, nem sabia que existia. Não entendi o nome da peça “O mundo não pára para que você desperte”. Cheguei mais perto dos atores e contemplei a peça. A história era de uma garota, abandonada pelos pais e que vivia nas ruas. Como observava o lugar onde ficava, na peça de teatro, a jovem tinha o consolo de refletir  consigo mesma o porquê da correria das pessoas, o porque daqueles mendigos nas ruas e cachorros abandonados. Mas havia o lado alegre de ver crianças correndo com bolas, andando de bicicleta, casais apaixonados, o sorveteiro, a garoa ao entardecer oi o arco-íris após a chuva. Isto a fazia feliz e, acima de tudo, tornava-se mais contente ao admirar a cidade ao anoitecer. A atriz encenava perfeitamente uma criança de rua e os demais atores, seus companheiros. O consolo para eles era olhar o céu à noite, graças ao brilho da lua que estampava em seus rostos. A arquitetura dos prédios era somente uma imagem escura. O silêncio tomava conta e a tranqüilidade ocupava o lugar. Naquele momento eu também fazia parte daquele novo mundo que me instigava.
Em um momento de loucura, comecei a gritar e a chorar desesperadamente  como se os bares e restaurantes, e até mesmo o grupo teatral pudesse entender. Gritei como nunca antes havia feito. A atriz olhou para mim e me disse “Contemple a cidade”. Eu não entendi nada. “Contemple a cidade”, ela me disse novamente, até que eu aceitei. Sentei na calçada e tentei esquecer minhas memórias passadas e meu ato de loucura. Olhei em volta. A cidade era diferente daquele instante em diante. Não era somente o lugar onde eu habitava. Eu não era somente mais uma moradora daquela cidade. Era como se eu fosse uma filha desta amada mãe: São Paulo. Não estava mais só, como me dizia a atriz. “As casas, as lojas, os ônibus, os bares, restaurantes, acompanham todos a todo instante”, me falavam os atores. Aos poucos aquelas palavras me encheram de conforto e paz. Tive vontade de abraçar os garotos abandonados, a praça, as pessoas que jantavam no mesmo restaurante que eu ou até a luz da lua na calçada.
Eu buscava aquele refúgio que a cidade me dava, como se ela fosse meu ombro amigo. A solidão e as lembranças de Vinicius se dissolviam. Eu me fiz nova e despertei daquela reclusão que me atormentava desde a separação. Claro que havia perdido meu esposo, mas, daquela noite em diante, ganhei o conforto  e o abrigo da minha cidade, ou melhor, da minha nova mãe. Senti ciúme de compartilhá-la com os outros, pois para mim, era só minha.

2 comentários:

  1. Uma historinha que eu escrevi...
    o tema era o encontro entre alguém e um grupo de pessoas à noite e o que esse encontro provocaria nesse sujeito perdido pela cidade

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  2. Acho que todos nós as vezes temos estes momentos
    que nos ´dão uma vontade louca de correr por aí gritando.Ainda que nos recolhemos dentro deste mundo de concreto e nos sensibilizamos com aqueles outros eus englobado no irmão mais próximo.

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